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  • Os vinhos na Itália e na Emilia-Romagna

    A Itália tem praticamente todos os tipos de vinho, assim como a França: seu terroir foi unificado no final do século 19 e ocupa uma larga faixa de latitude: de 47 graus norte, no Trentino-Alto Ádige, próximo ao clima frio da Suíça, a 37 graus norte, na Sicília, ilha cuja extremidade sulfica na altura de Tunis, na Tunísia: de Tanger, no Marrocos; ou de Alger, na Argélia, onde o clima já é bem quente.
    Os gregos clássicos chamavam Enotria a península itálica, a terra do vinho. Ali introduziram a cultura da vinha, bem mesmo antes de o Império Romano subjugar a Grécia. Já havia videiras na península, implantadas primeiro pelos etruscos, mas nada comparável ao culto e à interação que os gregos impunham à bebida.
    A Itália é um dos berços e o mais importante polo disseminador da cultura enológica pelo mundo ocidental, fato marcado por duas fases, em dois milênios: a primeira, mais marcante e importante, durante o Império Romano. A segunda, com o êxodo prolongado de cidadãos italianos para o Novo Mundo, a partir da segunda metade do século 19 até a primeira metade do século 20. “Fazer a América” tornou-se um sonho nacional italiano.
    Com este fluxo populacional vieram as tratorias e também as massas, ou como se diz no Brasil, as macarronadas, as pizzas, o molho de tomate, o risoto, especialidades gastronômicas hoje tão integradas à cultura ocidental, Os imigrantes italianos trouxeram não só o vinho, especialmente o tinto, para países como o Brasil, Argentina e os Estados Unidos, mas também o hábito de bebê-los, até então alheio ao Novo Mundo ou restrito à elite, e a vitivinicultura, que os imigrantes italianos iniciaram nos países americanos à maneira como conhecemos hoje.
    Esta segunda fase da influência da Itália na nossa cultura gastronômica é mais interessante, embora a primeira, a da Roma Imperial, talvez tenha sido muito mais determinante, para os latinos, na história do vinho. Roma levou por todo o seu império, que abarcava o que é hoje a Europa, o norte da África e parte do Oriente Médio, a cultura do vinho. Em poucas palavras, a vinha tinha para o exército conquistador duas grandes funções estratégicas, além é claro, do valor estimulante e calórico da bebida. A primeira delas era a de cumprir a função que séculos depois o sanitarista Franc ês Louis Pasteur chamaria de “a mais são e higiênica de todas as bebidas”. O exército de ocupação sofria com infecções causadas por águas propositalmente infestadas de bactérias, que vinham de dejetos e cadáveres de animais nelas depositados. Em um mundo sem penicilina, uma disenteria poderia ser fatal. Isso era um problema a ser contornado, e nada melhor que fazê-lo com vinho. A alcoolicidade, a acidez e até mesmo os taninos adiavam a ação das bactérias e o vinho era a bebida mais canfiável, pois seu processo de produção podeia ser inteiramente acompanhado pelos oficiais.
    A outra função estratégica, certamente a mais importante e melhor fundamentada, era fixar o homem à terra ocupada. A videira é uma cultura perene, que exige do agricultor cuidado o ano todo, pois há várias tarefas: irrigar, fertilizar, podar, roçar o vinhedo, conduzir a brotação dos novos ramos, amarrá-los etc.
    Os grandes filósofos e poetas latinos, Plínio, Cícero, Virgílio, Galeno, Petrônio, entoaram odes ao bom vinho. Um dos mais citados é o vinho Falemo, até hoje em produção na Campania, no sul.
    A vitivinicultura italiana é uma das mais antigas do mundo, e com certeza a mais fortemente arraigada na cultura popular. O convívio com o vinho é tão natural na Itália que chega a ser um problema, ao desmontar a aura de sofisticação que envolve certas bebidas, como o champagne, ou os grandes rótulos mundiais. A imagem de produtora de vinhos correntes e massivo - potáveis, mas não deleitáveis - é a mais difícil de vender e oferece menor valor agregado ao produto final.
    Também em degustações os vinhos italianos têm se comportado assim: é mais fácil encontrar um vinho italiano caro e decepcionante que uma agradável surpresa a custo recompensador.
    Diante dessa difícil encruzilhada, deve-se dizer a favor dos vinhos peninsulares que o caminho mais adequado está sendo tomado. A retomada do uso de cepas autóctones tem se tornado uma prática salutar, depois de um curto e perigoso período de flerte adúltero com variedades internacionais (leia-se: as mais famosas uvas Franc esas), em vinificações ora maravilhosas, ora descuidadas, como nos maus velhos tempos.
    Até mesmo a adoção de tecnologia moderna para a vinificação foi questionada profundamente, em nome de certas tradições de cunho regionalista, sob a alegação obscurantista de que a modernização poderia conduzir a uma padronização dos vinhos. Ainda bem que tudo isso é passado. A boa tradição italiana exige, isso sim, fazer bom vinho, o melhor possível; logo seus vinhos agora conseguem amalgamar o uso de equipamentos de última geração, know-how atualizado e técnicas modernas com a expressão de seu terroir e de suas fantásticas variedades locais, originais e exclusivas.
    Fala-se que o vinho italiano é um vino da manggiare (vinho para comer): embora tome sucessivas surras homéricas dos vinhos do Novo Mundo em degustações às cegas, vai bem à mesa, onde encontra seu verdadeiro valor diante de pratos regionais com os quais está casado há séculos, talvez milênios. A simples menção dessa ideia é polêmica e, como tudo no temperamento italiano, desperta acalorado debate e paixões arrebatadoras.
    A Itália dominou durante anos as importações de vinho para o Brasil e para quase todo o mundo, mas durante os anos 90 o painel mudou, com o Mercosul e com uma geração de novos consumidores menos vinculada às tradições étnicas, que trouxeram o Novo Mundo ao mercado brasileiro.

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