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  •  Emilia-Romagna: La Strada Maestra da educação

    Maria Aparecida Antero 

    Entre a costa no Mar Adriático, as montanhas dos Apeninos e a Pianura Padana, cortada pelas águas opulentas do rio Pó, foi criada uma das maiores experiências educativas que encantou o mundo do século XX: a abordagem de educação infantil de Reggio Emilia. A cidade se tornou muito conhecida com a publicação da Revista Newsweek em 1991, que dentre as 10 melhores escolas de educação infantil no mundo, elegeu a escola Diana como a melhor. A partir deste momento se descortinou diante do mundo, a história e a experiência Reggiana e seus personagens, sendo sua principal referência Loris Malaguzzi (1920-1994), que ao longo de sua vida, mostrou-se sempre aberto às novas possibilidades e experiências no campo da educação e dos direitos das crianças. Outras cidades como Parma e Bologna seguiram o mesmo percurso inspirando cotidianamente pesquisadores e educadores no Brasil.

    Na história, nada acontece por acaso. A existência dessa proposta educacional só foi possível porque a desenvolvida região da Emilia-Romagna é dotada de uma ética e estética que, assim como as águas do Pó confluem para irrigar as terras da planície e a Via Emilia para ligar Rimini a Piacenza, as condições locais convergiram para criar uma pedagogia para a infância de excelência. A arte da participação social se mescla com a estética regional, que nos proporciona um indelével patrimônio histórico e cultural. É terra de nascimento de grandes talentos como os cineastas Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci; de geniais compositores como Giuseppe Verdi e Gioachino Rossini, este último nascido em Pesaro na região de Marche, mas que desenvolveu seus estudos em Bologna. Na atualidade é berço de famosos astros da música e da poesia como Luciano Ligabue, Vasco Rossi e Francesco Guccini. Também é um território de importantes universidades, como as de Bologna, Parma, Modena e Reggio Emilia e Ferrara.

    As deliciosas experiências gastronômicas que encantam turistas de todo o mundo advêm de sua potente agricultura que se concentra em produtos como o leite nas províncias de Piacenza, Parma, Reggio Emilia, Modena e Bologna, na parte esquerda do rio Reno; Frutas em Ferrara, Ravenna, Forlì e Bologna na parte direita do Reno; cereais e criação de animais em Modena, Bologna e Ferrara, além da viticultura e vinhedos em toda a região, se destacando a produção do Lambrusco, de castanhas e nozes. E, é claro, sobressai a produção do famoso queijo parmigiano reggiano, na margem esquerda do rio Reno, de Bologna a Piacenza e a produção tipicamente italiana de salames e presunto no Vale de Parma.

    É um território para experimentação e maturação de relações sociais baseadas em história de coletividade e solidariedade. Sua essência democrática tem um momento de destaque no final de Segunda Guerra Mundial quando foram criados os consigli comunali assembleias democráticas populares para discussão da reconstrução e em busca de uma sociedade mais justa, com liberdade e progresso (FERRI, 1974).

    Nas batalhas internas, uma verdadeira guerra civil, de um lado, fascistas ligados a Mussolini e de outro lado a resistência italiana antifascista, sem a qual não seria possível entender a história italiana, os partigiani. Eles englobavam combatentes de diferentes matizes e grupos sociais, mas que acumulavam grande força entre comunistas e socialistas. A partir da organização partigiana foram criados os Comitati di Liberazione Nazionale (Comitês de Libertação Nacional), que de forma mais ampla agregava partidos, sindicatos, organizações de jovens, de mulheres e culturais, de perfil católico, republicano ou independente, o que representou a superação dos limites da ação isolada de outros grupos, na maioria das vezes formados somente por comunistas e socialistas (BERGONZINI, 1974). Na Emilia-Romagna, a ofensiva final dos partigiani aconteceu em abril de 1945, com a libertação de várias cidades da região: Bologna, Modena, Ferrara, Parma, Piacenza e Reggio Emilia.

    Retornando à análise da proposta educacional emiliano-romagnola, um dos aspectos a ser considerado é que a luta e organização dos combatentes partigiani deixou um caldo de cultura progressista na região, pois as ideias de libertação também têm repercussão nas vivências e propostas para a educação nas décadas seguintes. Em Villa Cella, uma comunidade do município de Reggio Emilia, a grande maioria das crianças de três a seis anos não tinha acesso às escolas. Seus habitantes mesmo cansados e chocados com a guerra iniciaram a construção de uma escola com contribuições do Comitê de Libertação e com dinheiro arrecadado com a venda de um tanque de guerra e de cavalos que foram abandonados pelos alemães, além de tijolos e outros materiais recuperados das casas e edifícios bombardeados na guerra. Para arrecadar fundos, as crianças vendiam ovos e as mulheres cozinhavam e vendiam a “pasta”, o macarrão (PLANILLO, 2020).

    O então professor de educação elementar Malaguzzi, se admirou como as pessoas de Villa Cella sem dinheiro, sem conhecimentos técnicos, sem engenheiros, pudessem realmente construir uma escola com as suas próprias forças, tijolo por tijolo (GANDINI, 2016). Foi o início de tudo.

    Malaguzzi, um gênio de pedagogia se alia também ao grande nome da literatura infantil italiana, Gianni Rodari, autor do clássico livro Gramática da Fantasia que foi uma grande inspiração para ele, proporcionando-lhe a oportunidade de viajar com a fantasia, transgredindo a razão por meio da imaginação. A fantasia e a imaginação são as armas que Malaguzzi carrega para encarar o futuro com otimismo.

    Sendo uma região de forte participação social e democrática, essa realidade incentiva a fundamentação do pensamento de outro importante nome da educação da criança pequena na região, mas que é pouco mencionado no Brasil: Bruno Ciari (1923-1970) que manteve parceria com Malaguzzi, mas desenvolveu suas próprias ideias, principalmente na cidade de Bologna. Para Ciari, a democracia é um fundamento importante para o desenvolvimento de uma proposta educacional, em que o sentido implícito e completo do termo democracia é com o objetivo de criar uma escola de base democrática, aberta e promotora de cultura (CORRADI et al, 2018).

    A cultura, a pedagogia, as artes, a literatura, a democracia e a participação social são aspectos intrínsecos da sociedade da Emilia-Romagna, em que em que a ação coletiva e solidária não é a exceção, mas o padrão de convivência. Uma inspiração para um mundo que necessitado de ideias e práticas comunitárias que dão certo.


    Referências
    ALBERTI, Alberto. Apresentação. In: CIARI, Bruno. As novas técnicas didácticas. Temas pedagógicos. 2 ed. Editorial Estampa, Lisboa, 1997.

    BERGONZINI, Luciano. La Resistenza. In: CANTELLI, Franca; GULGLIELMI, Giuseppe. L’Emilia-Romagna, TETI Editore, Milano, 1974.

    CORRADI, Anna P.; MANINI, Milena; MARCHESI, Franca; VASSURI, Paola. Da scuola materna a scuola dell’infanzia. Scuola e società all’origine del cambiamento. In: CAMPIONI, Lorenzo; MARCHESI, Franca (Orgs.). La strada maestra. Tracce di storia delle scuole comunali dell’infanzia nei comuni capoluogo dell’Emilia-Romagna. Zeroseiup, Bologna, 2018

    FERRI, Gian Carlo. L’economia. In: CANTELLI, Franca; GUGLIELMI, Giuseppe. L’Emilia-Romagna, TETI Editore, Milano, 1974.

    PLANILLO, Alfredo H. Loris Malaguzzi. Una biografia pedagogica. 2 ed. Edizioni Junior, Italia, 2020
    Artigo vencedor do Concurso de Artigos e Redação sobre o Patrimônio Cultural da Emilia-Romagna - Categoria Amantes da Cultura e da Gastronomia Italiana, promovido por este site em 2022.
    Vencedora - MARIA APARECIDA ANTERO 
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